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Y/Rembe’y, de Fran Favero
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Metadados
Nome da exposição
Y/Rembe’y, de Fran Favero
Descrição
As obras que compõem esta exposição fazem parte de um movimento de pensamento e de produção que se propôs a refletir e produzir a partir de um lugar específico, um lugar fronteiriço, ambíguo, complexo, cheio de afetos mas também de estranhamentos e tensões: a tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina. Estes trabalhos funcionam como fragmentos que desejam pensar cada um à sua maneira sobre este espaço múltiplo, sobre as relações que nele se dão ou podem se dar e sobre as potências e derivações poéticas da noção de fronteira, de estar à margem e no limite.
Rembe em guarani significa margem, borda, orla. Já a palavra Y significa água, rio; a fronteira seria então rembe’y, ou seja, a margem do rio. É interessante pensar que na tríplice fronteira todas as fronteiras são rios – a divisão entre os três países é estabelecida
no local onde o rio Iguaçu deságua no rio Paraná, formando um T que demarca as três margens. Essa relação entre água e fronteira permeia todos os trabalhos propostos para esta exposição, seja através da fluidez encontrada nas trocas fronteiriças e nas águas do rio, seja nas barreiras que muitas vezes o rio e a fronteira podem representar. A proximidade entre a água e a fronteira está presente nos dois vídeos propostos para a exposição: Evaporação e Inundação. Em Evaporação, filmado às margens do rio Paraná a partir da orla paraguaia, a névoa cria uma barreira opaca e não permite ver o outro lado. Aos poucos, a barreira se dissolve e deixa entrever o que está além-fronteira. Já em Inundação, a questão do alagamento das zonas fronteiriças entre Brasil e Paraguai desencadeou o processo de criação do vídeo. Um território imenso foi submerso nos anos 1970 com a construção da monumental barragem de Itaipu, causando um impacto ambiental e social profundo. Além de retirar pessoas de suas terras, isolar populações,
regiões geográficas e separar comunidades indígenas, a inundação silenciou as Setes quedas, consideradas pelo povo Guarani que habitava o local como a voz de Tupã, de Deus. No vídeo, falas fronteiriças tentam continuar a ressoar enquanto a água se impõe
como força silenciadora. A faixa sonora do vídeo foi composta a partir de sons coletados nas regiões de borda e de entrevistas com moradores da cidade fronteiriça de Ñacunday, no Paraguai.
Além de orla, rembe também pode significar lábios – nesse sentido, as aproximações entre os três países criam uma zona em que podem existir idiomas mesclados, atravessados – como o portunhol, o guarani paraguaio ou o jopara (mistura entre espanhol e guarani ou português e guarani). Esta escuta dos idiomas locais
possibilitou trabalhos que lidam com o falar fronteiriço, identificando neles uma potencia de mescla e variação, de criação de outros idiomas e espaços.
Na ação Como falar entre fronteiras, walkie-talkies foram instalados nas margens de cada um dos países, no ponto de maior aproximação entre elas – no caso, nos chamados Marcos das Três Fronteiras. Apesar das margens estarem próximas, não é possível atravessar de um país a outro, sendo necessário passar pelas alfândegas e pontos
de controle para entrar em outro território. Através da instalação temporária dos rádios de comunicação, a proposta foi transpor essa barreira e permitir a troca entre pessoas dos três países, criando um espaço em que pudessem reverberar estes múltiplos idiomas, promover encontros e conversas multilíngues e transfronteiriças.
A instalação sonora Triangulação parte da escuta, captação e edição da programação de três estações de rádio, localizadas na tríplice fronteira Brasil-Paraguai- Argentina. Três rádios posicionados triangularmente no espaço expositivo transmitem faixas sonoras distintas criadas a partir destas edições com a intenção de criar outras relações, diálogos e possibilidades entre as faixas, entre os diferentes idiomas e países. A triangulação de uma onda sonora tem como objetivo localizar a sua fonte, a sua origem pontual. Nesta instalação, porém, Triangulação busca gerar descompassos, aproximações e distanciamentos, divagações e deslocalizações, triangulando um sinal que parece não ter definições exatas.
Já em Sobre tornar-se (Jopara) essa imersão em um ambiente fronteiriço surge na forma de um pertencimento simultâneo a duas nacionalidades. Jopara é um termo de origem guarani que significa mistura, mescla. Sobre tornar-se (Jopara) reproduz as duas
certidões de nascimento da artista legalmente registradas e válidas. Em geral, estes documentos atestam o pertencimento a um único lugar e a uma nacionalidade específica, mas a obra aponta para a possibilidade de uma existência atravessada, simultânea, fluida,
fronteiriça.
A pesquisa a partir deste território decorreu ao longo de alguns anos e resultou em uma série de publicações de artistas, que estarão presentes na exposição para manuseio. Y/Rembe’y traz uma coletânea audiovisual e sonora, compreendendo dois vídeos e três
faixas sonoras. O cartão-postal Santa Lucía, Paraguay e os flipbooks (D)espacio foram dois trabalhos que deram início a esse interesse pela fronteira: o postal é feito a partir de um carimbo que traz um mapeamento de um lugar afetivo, contendo a imagem e o lema (despacio y con buena letra) da escola primária da vila de Santa Lucía, no Paraguai; e os flipbooks são desdobramento de quatro filmes em 35mm gravados nas regiões fronteiriças, colocando em movimento pequenas paisagens atravessadas. O DVD (D)espacio pirata fez parte de uma ação em que estes mesmos quatro filmes são
transformados em DVD pirata e inseridos em bancas de venda destes produtos na tríplice fronteira, comércio informal muito comum nessa região.
A tríplice fronteira está vibrando em muitas direções através das multiplicidades que habitam um mesmo ponto, sempre em processo, em descompasso. A exposição propõe um mergulho nesta fronteira, uma experimentação de habitar/ser/estar no entre, sempre à beira de tornar-se outro.
Data de abertura
14 de dezembro de 2016
Data de fechamento
11 de novembro de 2017