Descrição
Deslocamentos no deserto
As situações abertas pela obra de Mila Jung podem nos colocar em um espaço de suspensão dos sentidos convencionais das coisas no mundo. A primeira operação desses dispositivos construídos pela artista parece ser a de recolocar o repertório comum de objetos e paisagens com os quais convivemos sob outra lógica. Esta ordem diversa, porém, não se oferece a uma explicação generalizadora. A mesma decisão que organiza um trabalho da artista não volta a acontecer na obra seguinte, e assim em cada uma das quatro obras apresentadas no Museu Victor Meirelles. É possível perceber, no entanto, que nada nesse jogo de ambivalências sugere o acaso, não obstante o conjunto de trabalhos não se entregar a reduções.
As fotografias e os materiais utilizados para estabelecer as situações da exposição comparecem deslocados de seus sentidos comuns: algumas sementes de palmeira que poderiam estabelecer uma situação gráfica, por não repousarem sobre um papel (e seu plano virtual da convenção), mas sobre uma superfície iridescente, quebram o prognóstico e reabrem a potência da imagem. Certo nonsense pode ser pressentido também, quando em outra obra, apenas a estratégia de se acrescentar duas pequenas madeiras sobre uma prateleira em frente a uma fotografia desloca o lugar que separa o plano da representação do espaço da apresentação. Ou ainda, pode ser o plano perspectivo que escorrega sobre a superfície da imagem, na expectativa, nunca realizada, de ser recuperado, ou salvo da destruição, sobre as duas cadeiras que mantém vigília constante à fotografia na parede.
Com recursos materiais simples, Mila Jung pode nos jogar no Espelho de Alice. Nas situações criadas por suas obras, as coisas do mundo mudam de lugar, e os códigos estabelecidos (e talvez por isso, esgotados de seiva simbólica), balançam, e nas fissuras desses pequenos tremores, podem nos surpreender por seus abismos.
Fernando Lindote